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Bom, aqui como disse na parte 1 (https://clinicagoncalves.com/2020/02/12/obesidade-infantil-a-epidemia-parte-1/), seria a parte fácil da conversa…
Mas nem tanto! Todo mundo acredita que sabe sobre nutrição adequada, mas definitivamente não é o que vemos na prática.
As mães deveriam amamentar o seu bebê EXCLUSIVAMENTE até os seis meses de vida – sim e quando digo exclusivamente, é sem chás, sucos ou água. O leite materno tem tudo aquilo que o bebê precisa e NADA mais.
O que acontece é que atualmente grande parte das mães, muitas vezes, devido ao retorno ao mercado de trabalho tem de iniciar a complementação com fórmulas artificiais.
Atualmente, as fórmulas estão cada vez mais semelhantes ao leite materno, mas ainda estão distantes de serem iguais tanto em quantidade, quanto em qualidade ou tipo de proteínas ou nutrientes.
Existem diversos trabalhos demonstrando como o emprego de uma proteína heteróloga, ou seja, diferente da proteína contida no leite materno – no caso, do leite de vaca – pode estar associada à obesidade.

Mais um dado ASSUSTADOR:
– Até 70% das crianças brasileiras já ingeriram leite de vaca integral antes de 1 ano de idade
Quando o recomendado seria o aleitamento materno até PELO MENOS os dois anos de vida e na impossibilidade, o uso de uma fórmula infantil adequada para a idade.
E a partir daí, centenas e centenas de erros:
- Introdução alimentar precoce, o que predispõe à obesidade e às alergias alimentares
- Apresentação de suco de frutas antes de um ano de vida ao invés da fruta in natura
- Adição de sal à Papa Principal
- Alimentos batidos em liquidificador, mixer ou peneirados que ficam sem a fibra alimentar e os deixam com textura monótona
- Apresentação do mel antes do primeiro ano de vida
- Apresentação do AÇÚCAR REFINADO antes do segundo ano de vida, principalmente, antes do primeiro ano de vida
Vamos a mais um dado ASSUSTADOR?
– 56% das crianças brasileiras já ingeriram refrigerantes antes do primeiro ano de vida!!!

A famosa mamadeira de Coca-Cola que mata qualquer pediatra do coração.
Quando vou iniciar a alimentação complementar de um bebê, particularmente, faço um acordo com os pais.
O primeiro deles é que preciso dividir com eles o compromisso da introdução de uma alimentação saudável que não irá se restringir apenas à infância, mas sim a toda vida daquela criança.
A criança precisa ser apresentada, neste início, cerca de 15 vezes a um mesmo alimento para sabermos que ela não gosta dele. Isto é importantíssimo!
Um bebê restrito, que não foi apresentado algumas vezes a vários tipos de alimentos, com certeza será uma criança e, também, um adulto seletivo.
Costumo comentar também que o único gosto inato, ou seja, que já nascemos com é justamente o gosto doce. E precisamos ser apresentados a outros sabores, desde de pequenos, para abertura de novos leques de gostos.
E é justamente nesta fase de aprendizagem e apresentação que… BOOOM! Acontece uma quebra!
Quando finalizo a consulta sobre a alimentação complementar e destaco o item: “ALIMENTOS NÃO RECOMENDADOS” e pontuo o açúcar entre eles, vejo muitas vezes um sorriso no rosto dos pais esboçando um “é obvio que não vou dar açúcar para o meu filho…”.
No entanto, o que vejo um pouquinho após, são pais ofertando Danoninho, Yakult, bolachas industrializadas, achocolatados e a fins para um bebê de 9 meses sem achar necessariamente isto um absurdo como antes.
O sabor doce destes alimentos, bem como o sabor salgado e a gordura de salgadinhos ou outros produtos industrializados pervertem o paladar em desenvolvimento do bebê.
O sabor natural dos alimentos não consegue competir com o dos produtos industrializados e, o que naturalmente acontece a partir daí, são inúmeros erros alimentares.
A criança não tem o discernimento- e nem esperamos isto, não é mesmo? – para saber qual é o alimento mais adequado para ela.
Quem deve fazer essa triagem é o adulto.
O adulto deve dizer qual alimento, em que momento, por quanto tempo e o local da alimentação.
A criança ditará dentre de todas estas variantes, a quantidade apenas.
Lembrando que o pouquinho para ela, naquele momento, pode ser o suficiente.
Evite a barganha!!!
O famoso: “se você comer o brócolis, comerá a sobremesa depois”.
Inclusive evite o doce como sobremesa, prefira e institua a fruta.
Evite insistir em demasia! Não brigue! Se no almoço a criança não quiser almoçar ou comer bem pouco, respeite-a!
Não dê mamadeira – este inclusive é outro acordo que faço na introdução alimentar, o de que reduziremos drasticamente a ingesta de leite e que isto é NORMAL- ou outros alimentos no intervalo da próxima refeição, a qual deve ser a cada 2-3h.
O leite é altamente calórico e por isso é normal que a criança não sinta fome para almoçar ou para jantar, quando ela toma uma mamadeira 1 hora antes da refeição principal.
Existem casos em que os pais ficam assustados com seus filhos, achando que eles estão comendo pouco. Mas, quando vamos contabilizar, a criança está ingerindo cerca de 5 ou 6 mamadeiras ao dia o que dá cerca de UM LITRO E MEIO DE LEITE POR DIA!!! Bastante até mesmo para nós adultos, não é mesmo?!?
Outro argumento para possíveis falhas alimentares que escuto recorrentemente são: “Mas ele fica olhando, tenho certeza que está com vontade!” “Ele está com vontade e se ele ficar com vontade pode dar verme ou quebranto…”
Mais uma balela.
Faço um paralelo fácil com os pais e geralmente pergunto se eles tem vontade de ir para Lua. A resposta é sempre um sonoro não ou não sei.
Pois é, então imagino que a resposta de um bebê, se ele pudesse falar, seria a mesma quando perguntasse sobre a vontade de comer algo que ele nunca experimentou.
A criança passa por uma Fase Oral em que tudo que chega à sua mão passará invariavelmente à sua boca. Isto inclui a sua chave do carro, o controle remoto e por aí vai… Isto não quer dizer que ela esteja com vontade de comer estes objetos, mas pura e simplesmente que ela conhece o mundo pela sua boca, nesta fase.
Outro erro comum é dar o alimento por “dó”.
A criança aprende por repetição e o que ela vê os pais fazendo, ela copiará no início da vida.
O ambiente ideal para uma refeição seria com toda a família sentada à mesa, sem televisores, tablets ou celulares, evitando distrações ou fazendo com que a criança se alimente sem perceber e sem saciamento.
Além disto, todos deveriam desfrutar do mesmo alimento- as crianças com idade próxima a de um ano de vida já podem e devem comer a mesma comida dos pais. Assim, caso sinta vontade do seu prato, não haverá problema algum você compartilhá-lo com seu filho.
Por falar no uso de telas (televisores, celulares e tabletes), você tem ideia de qual é o tempo médio de uso adequado para uma criança de 2 anos ou menos? Vamos às alternativas:
a) 3 horas de uso
b) 2 horas de uso
c) 1 hora de uso
A resposta correta é ZERO! Uma criança com menos de dois anos não deveria ser exposta aos famosos vídeos e joguinhos de celulares… SIM! Tchau Baby-Shark!!!


Os estudos mostram a associação entre excesso de exposição a telas na primeira infância e atraso no desenvolvimento cognitivo, na linguagem, atrasos sociais e descontrole emocional, além de comportamentos agressivos, alterações sociais e de sono – SIM, não faça seu filho a aprender a dormir com um vídeo ou televisão ao lado.
Desligue estes aparelhos 1- 2 horas antes do horário de dormir.
A estimulação faz com que a criança tenha dificuldade em diminuir o seu ritmo e acalmar-se para uma boa noite de sono e a luz emitida pelos aparelhos prejudica na eliminação do hormônio Melatonina, que regula nosso ritmo circadiano (sensação de noite-dia). Sendo assim, no cérebro do bebê é dia a noite toda!
Como esperar que ele durma então?
Além disso, Zimmerman & Bell10 mostraram que meninos que excedem 2 horas por dia de uso de mídia sedentária têm 1,7 vezes mais chances de desenvolver obesidade em comparação com aqueles que não excedem 2 horas por dia de uso de mídia sedentária.
É muito comum em ambulatórios de obesidade infantil os pais culparem os filhos sobre seus hábitos de alimentação inadequados. Mas é importante lembrar também que quem faz a compra da casa são os próprios pais, logo pais com hábitos alimentares inadequados, terão filho com hábitos alimentares inadequados.
E a obesidade segue a mesma equação…

Vejo pessoas estritamente rigorosas com a alimentação de seus bichinhos de estimação, comprando ração adequada para o peso, idade e raça. Sendo totalmente inflexíveis, até com razão, com a oferta de alguns alimentos naturais como o abacate ou uvas para os seus pets, no entanto, não vejo o mesmo ímpeto na alimentação e, principalmente, no bloqueio dos desvios alimentares dos seus filhos.
A criança até dois anos, passa por um enorme crescimento físico e do seu sistema nervoso (80% do seu cérebro se desenvolve nesta fase), sendo imperativo o aporte nutricional adequado nesta fase para um bom desenvolvimento cognitivo e emocional, inclusive na fase adulta.
Atualmente, existe um MANTRA para os bons hábitos alimentares na infância, conhecido como 5-2-1-0.
Já ouviu falar?

Lembrem-se sempre do 5-2-1-0! Ela é fórmula secreta da prevenção à obesidade.
Ficamos por aqui.
Nos vemos em breve!
Dr. Vinícius F. Z. Gonçalves– Pediatra e Neonatologista
Referências:
http://primeiros1000dias.com.br/
Uso saudável de telas, tecnologias e mídias nas creches, berçários e escolas – Sociedade Brasileira de Pediatria- Publicação de Junho 2019
#MENOS TELAS #MAIS SAÚDE – Sociedade Brasileira de Pediatria- Publicação de Dezembro de 2019
Imagens:
Imagem 1 e 5- https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2017/02/26/interna_ciencia_saude,576721/genetica-influencia-em-ate-60-do-indice-de-massa-corporal-das-crianca.shtml- Acesso em 12/02/2020
Imagem 2 e 4-http://www.foodmed.com.br/habitos-alimentares-e-obesidade-infantil/- Acesso em 12/02/2020
Imagem 3- http://www.ans.gov.br/images/Monica_Moretzsohn.pdf- Acesso em 12/02/2020
Imagem 4- https://www.tuasaude.com/obesidade-genetica/- Acesso em 12/02/2020
Imagem 6 -http://my.medx.social/wwwcardionutrimedbrblogsuasaude/Prevenindo_a_obesidade_infantil.html- Acesso em 12/02/2020
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